Fotografia – Registro de Performance em jato de tinta UV sobre painel acrílico Duração: 4h
Dimensões: 1m x 2m
Ano de realização: 2009
Esse trabalho também é tecido em camadas: da proposição à ação, da palavra à fotografia, da fotografia ao espaço. A imagem fotográfica aqui, no entanto, não é um objeto oferecido ao espectador, mas um registro do encontro.
Assim como Sobre, a construção da obra também parte de uma palavra dada: “Oi” é uma referência direta ao nome da operadora de celular que, em 2009, através de um edital, selecionou 12 artistas de Curitiba para o projeto “Oi Expressões”, evento que celebraria a entrada da empresa no estado do Paraná. Após divulgada a seleção dos artistas, nos foram postas as condições para execução do trabalho: cada um de nós deveria apresentar uma “obra” no Parque São Lourenço, no dia 19 de julho de 2009, domingo, das 14h às 18h, onde a “festa” da operadora seria realizada (com bandas, distribuição de panfletos e brindes). A obra deveria ser desmontada ao término do mesmo dia.
Minha primeira reação foi me recusar a participar, já que em nada me atraía propor algo nesses termos: “jovens artistas” promovendo uma “jovem operadora” ao som de “muita música jovem”. Sobretudo me incomodava a relação entre a minha imagem e a publicidade da operadora, que ainda acompanhava o slogan: “só a Oi é capaz de desbloquear a sua criatividade…” Por fim, decidi transformar a minha “obra” em uma crítica àquele evento.
Pensando essas questões: exploração da minha imagem x publicidade x artistas desconhecidos x instituição, concluí que uma forma de contestar essa cadeia seria fazer uma paródia com a minha própria publicidade: artista provinciana emergente procura multinacional também emergente em seu estado. Aceita promoção institucional na troca.
O passo seguinte foi enviar uma mensagem de email que dizia:
Eu, (artista visual desconhecida) Nicole Lima, 30 anos, pretendo me tornar obra de arte. Aproveitando o prenúncio do sol vindouro, realizarei amanhã, das 12h às 18h a minha primeira performance: (não diga Oi) diga “Oi, Nicole Lima?”
Com o intuito de tornar pública essa obra, ocuparei presencialmente, por 2 horas, um lugar em cada um dos 2 principais Museus de Arte da nossa querida província: MAC e MON. Ao chegar ao espaço do museu, você deve me procurar e, ao me encontrar, dizer: “Oi, Nicole Lima?”
Uma câmera fotográfica, que estará voltada para mim (a obra) será acionada via controle remoto, a cada instante em que eu ouvir a frase “Oi, Nicole Lima?” e erguer os olhos em direção ao meu ilustre espectador, eternizando assim o instante do encontro.
O convite foi divulgado exclusivamente via internet. Interessava-me somente esperar que alguém que tivesse lido o e-mail saísse de sua zona de conforto e fosse até o museu, naquela tarde fria de inverno, para me encontrar e dizer: “Oi, Nicole Lima?” Como eu precisava apresentar algo material (não seriam aceitas performances), decidi que a obra seria o registro fotográfico do que acontecesse nos dois museus.
A escolha de permanecer nos museus não foi aleatória. Se por um lado queria testar o alcance do meu convite pela internet, também pretendia investigar sobre os poderes que a instituição-museu supostamente tem de converter em arte tudo o que está dentro dela, usando meu próprio corpo como um ready made: poderia uma pessoa comum (sem roupas especiais ou nada que a distinguisse da massa), simplesmente por estar dentro de um museu, ser vista como um objeto em exposição?
“A imagem não é exclusiva do visível. Há visibilidades que não correspondem a uma imagem, há imagens que consistem inteiramente de palavras. Mas o regime mais comum da imagem é aquele que apresenta uma relação entre o dizível e o visível, uma relação que se dá tanto na analogia quanto na dissimulação entre os dois termos, mas que de modo algum exige que ambos estejam materialmente presentes. O visível podem ser disposto em metáforas significativas; palavras revelam uma visibilidade que pode ser ofuscante.” (RANCIÈRE, 2007)
A estratégia de obter um retrato meu naquele espaço expositivo também remete diretamente ao tema do visível5 e do enunciável6. Ocupando um lugar fixo, coloco meu corpo em posição cativa e converto o espaço do museu em uma espécie de panóptico. Na minha prisão, posso ser reconhecida, observada. Minha existência e identidade, no entanto, dependem direta e unicamente desse reconhecimento do outro que, ao enunciar meu nome, dispara um registro da minha imagem pelo aparelho.
No primeiro museu, o MAC, ninguém apareceu. Mais tarde, para minha alegria e relativa surpresa, algumas pessoas (pouco mais de dez) foram ao MON dizer “Oi, Nicole Lima?” As fotos foram impressas em jato de tinta UV sobre uma grande placa de acrílico transparente (2m x 1m x 2mm), formando um painel com imagens superpostas. A “obra” remeteria a um totem publicitário, com pessoas em tamanho natural. A transparência do acrílico também me destacava do fundo-museu, lugar específico, e transportava apenas a minha imagem-corpo em ação de espera. A escala humana me substituía fisicamente no espaço do parque, mas também funcionava como um convite para a intromissão na imagem pelo público: várias pessoas, principalmente crianças, se fotografaram ao lado da obra imitando o gesto de estar ao meu lado. De certa forma, essa interferência do espectador na obra-objeto remontava a ação que a gerou: cada movimento de vir até mim resultava em uma nova imagem.

“A visibilidade não remete a uma luz em geral que viria iluminar os objetos preexistentes, ela é feita de linhas de luz que formam figuras variáveis inseparáveis deste ou daquele dispositivo. Cada dispositivo tem seu regime de luz, maneira pela qual a luz cai, se esfuma, se expande, distribuindo o visível e o invisível, fazendo nascer ou desaparecer um objeto que não existe sem ela. Não é só a pintura mas a arquitetura: assim o ‘dispositivo prisão’ como máquina óptica, para ver sem ser visto. (…) Não são nem os sujeitos nem os objetos, mas os regimes que devem se definir para o visível e para o enunciável, com suas derivações, suas transformações, suas mutações.” (DELEUZE, 1996)
Mesmo tendo concebido esse trabalho como uma crítica, penso que o objeto final teve melhores resultados estéticos do que políticos (bonito demais e crítico de menos, beirando o narcisismo). Gosto em partes do resultado, mas acho que ele está muito distante do motivo que me moveu a construí-lo (ou talvez o motivo que me moveu a construí-lo esteja muito distante de mim). Já mencionei, e ficará ainda mais claro nas análises a seguir que não tenho problemas em me expor nos meus trabalhos, mas esse particularmente me incomoda por ter sido uma exposição por motivos alheios às minhas questões. Acho que a melhor crítica seria não tê-lo realizado. Poderia claro, tê-lo exibido de outra forma, como um texto9, ao invés de imagens, com os registros da hora e pessoas que foram ao museu ao meu encontro, ou uma gravação da voz dos transeuntes ao proferir o enunciado. Outras formas que não a fotografia talvez fossem mais claras e atingissem mais diretamente a minha proposta de crítica ao evento. Mas do que fui capaz de realizar na época e do processo de construção do trabalho, obtive lições enriquecedoras: psicologicamente, quebrei algumas barreiras de abordagem e interação (requisitar a presença e participação direta do outro, me colocar fisicamente em exposição e esperar, depender do encontro); tecnicamente, aprendi a trabalhar a impressão da fotografia diretamente sobre acrílico; espacialmente, pude testar o impacto dessa peça em um lugar aberto, muito maior e opressor, pela sua desproporção ao trabalho (que no caso, tinha o meu próprio tamanho). Desse último quesito talvez tenha tirado uma grande lição de escala.

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