Mulheres inventadas

Sete mulheres de diferentes idades e trajetórias pessoais e artísticas se reúnem periodicamente desde 2016. À medida que os encontros acontecem, percebem que suas questões não apenas se tocam, mas se refletem e se repetem nas memórias de vida de cada uma. Questões pessoais como abuso, vergonha, medo, expectativas se ampliam num contexto social que cada vez mais tenta definir o sentido de ser mulher nos dias de hoje. Muito se fala em quebrar padrões: uma mulher ideal, um corpo ideal. Mas o que implica estar inserida nesse contexto? Quais expectativas são frustradas e quais realidades vividas? Quais são nossos medos? De que matéria somos feitas? Seria a maternidade um desejo ou uma imposição cultural? Como conciliar subjetividade com feminilidade e maternidade, quando essas palavras não se conjugam? Se nos tornamos mulher, o que nos contorna?

Ainda que se tenha ampliado largamente o debate sobre o ser feminino, as respostas ainda são uma imagem em construção. Pouco sabemos dos nossos conflitos internos, daquilo que escondemos de nós mesmas. A exposição Mulheres Inventadas traz à tona alguns desses conflitos em uma mostra desses seis processos individuais, através dos quais partilhamos parte das nossas experiências autobiográficas nessa construção e desconstrução do feminino, onde nossa subjetividade é multiplicada, como uma semente: acreditamos que, ao nos tornarmos visíveis, outras mulheres terão suas questões representadas. Ao oferecermos uma imagem crua, não pacificada, como uma alternativa possível ao ideal, todo o conjunto de imagens existentes sobre o feminino será colocado em questão. 

Nicole Lima, curadora.

Esta trajetória de três anos culminou com as 6 exposições individuais exibidas simultaneamente no MUMA em Curitiba, de março a maio de 2019, coordenadas por uma equipe 100% feminina, contando também com a participação de duas performers e cinco palestrantes. Os trabalhos estão descritos a seguir.

Verônica Fukuda

Dupla Exposição: A escultura do Invisível

Nesta obra, a arte é compreendida como uma sublimação da vida, do cotidiano, da realidade em que se vive e, na interação com ela, um dos fios condutores do trabalho de Verônica Fukuda é  o seu  fascínio pelos animais, pela sua estética, sua observação atenta para a anatomia, textura, movimento, sons…

No conjunto apresentado, o Sátiro representa o imaginário, a fantasia. Ele é a figura híbrida entre o animal e o homem. É um ser fantástico que traz à tona o invisível que é a imaginação, pois somente com a imaginação pode-se dar conta de certos aspectos da realidade.

Na representação escultórica do cervo, a artista brinca que dele emerge a flora. Representa a fauna e a flora, integradas fisicamente no corpo animal. Há, nele, a leveza na postura, a elegância ao caminhar, sobretudo porque carrega uma galhada escultórica sobre a cabeça. A bagagem concreta na galhada da peça é testemunha viva dos ciclos da natureza.

O braço, a mão, são ferramentas humanas que criam e inventam, e nelas está contido o poder de transformar todo o imaginário – completamente abstrato – que lhes é contíguo na instalação, trazendo-nos à tona para o concreto, para o elemento físico, para realidade.

Verônica Fukuda é artista plástica, autora do livro infantil Meu Amigo Bóris e ilustradora de livros infantis. Seu atelier em Curitiba, o Ma Fille, além de espaço para oficinas diversas destinadas a todas as idades, é também o nome da marca de uma linha de produtos desenvolvidos a partir de suas constantes experiências com ilustrações.

E-mail: v.fukuda@uol.com.br

Instagram: @veronica_fukuda

Laiz Zotovici

Ela em mim.

Filha mãe, mãe filha, mulher, mulheres. Entre quem somos e quem desejamos ser. Encontro com a própria sombra, a transformação. O trabalho de Laiz Zotovici traz questões pessoais da mãe e da filha idealizadas, projeções e expectativas entre elas. Relação de amor e conflito, reverberando na mulher que é e na que gostaria de ser. 

Como lidar com o sentimento da falta de alguém que sempre esteve presente? Uma ausência “inventada” mas genuinamente real. A sensação da falta e a necessidade do outro, as semelhanças e as

diferenças que tornam essa relação um abismo de sentimentos profundos que se aproximam e se distanciam em movimentos cíclicos da própria vida.

As imagens expostas em dípticos, trechos de cartas, diários e memórias que a antecedem com a atualidade, ampliam essa zona de conflito, ao mesmo tempo desmistificando e (re) humanizando a mãe, expondo a fragilidade do ser real diante do ser esperado, propondo, de certa forma, um encontro; uma conciliação entre todas essas personagens.

Laiz Zotovici é fotógrafa, publicitária, sócia da UV Studio fotografia, criadora do Projeto Fotobrincante, oficina de fotografia que brinca com o olhar e cultiva a sensibilidade das crianças. Produtora e fotógrafa da série de retratos em 2016 “Seres de Outro Planeta”. Há dois anos participa do grupo de trabalho e pesquisa que investiga processos autobiográficos no desenvolvimento de projetos artísticos

E-mail: laiz@uvstudio.com.br

Instagram: @laizzotovici

Agnes Vilseki

Espelho Partido 

ESPELHO PARTIDO é um trabalho sobre expectativas não correspondidas, uma instalação que surge das inquietações de uma mulher lésbica e da experiência pessoal da artista Agnes Vilseki. O espelho primeiro é a mãe, o reflexo é todo o oposto. Inúmeros são os artifícios que nos tornam mulher, somos ensinadas, preparadas, instruídas, seduzidas,  construídas dia após dia. Nas pequenas ações, nos rituais, nos deveres, e nas infindas expectativas que jamais poderemos corresponder. Em uma lista-base, dedicada à Simone de Beauvoir, a artista inscreve o que se espera de uma mulher, como se esta fosse a natureza das coisas e a toma como um texto-partitura, a partir do qual cria, com fotografias, áudios e vídeos, pequenas obras de ficção. Ficção, invenção, encenação, nelas, a artista busca habitar as questões relacionadas ao que é ser mulher e, a partir da sua experiência pessoal, questionar a ideia de uma natureza feminina. 

Agnes Vilseki é formada em Cinema e Vídeo pela FAP/UNESPAR, pós-graduada em Poéticas Visuais pela EMBAP/UNESPAR e mestranda em Educação pela UFPR. Atua nas áreas de roteiro, artes visuais, educação e pesquisa. Seus trabalhos recentes abordam questões de representação, gênero e sexualidade no cinema e na fotografia. 

E-mail: agnesvilseki@gmail.com

Instagram: @agnesvilseki

Evary Leal

Os buracos da mãe

A ausência foi o que motivou Evary Leal a começar o trabalho Os buracos da Mãe. Partindo de uma narrativa visual de sua infância, marcada pela solidão, e dos diários e bilhetes de sua mãe, que revelaram a filha que ela tinha sido e a mulher, a artista reconstrói sua experiência de filha e também constrói a mãe que se tornou. Esse projeto fala da roda da vida, das repetições, do desespero de se ver nessa roda e da cura. Em cada retângulo de ouro uma narrativa que mistura personagens de quatro gerações. Entre textos e imagens, passa por todos os elementos da narrativa clássica: o narrador, que se revela fragmentado nas vozes dos diários; os personagens, que são muitos, mas são sobretudo um: uma mulher; o enredo, que nos guia pelas suas ausências ritmadas e revela os buracos; o espaço que é a casa de infância, da vó, os vestígios de quatro gerações. São esses espólios emocionais que Evary Leal ordena e converte em uma obra que transcende o singular em direção ao universal. Aqui memórias são inventadas, apropriadas e deslocadas. 

Evary Leal é fotógrafa e professora universitária. É formada em Publicidade e mestre em Comunicação e Linguagens. Como fotógrafa já participou de algumas exposições coletivas e em 2016 teve uma foto premiada no concurso da Roda de Fotógrafos. Se dedica ao registro do universo familiar, fonte de inspiração para o projeto Os buracos da mãe.

E-mail: evaryleal@gmail.com

Instagram: @evaryleal

Nicole Lima

Alfaiataria para Corpos Latentes

Alfaiataria para Corpos Latentes é uma peça em três atos. A obra parte do desejo da artista de multiplicar sua a história como mulher e mãe. Da experiência de morte subjetiva, após duas gestações, Nicole põe-se a coletar roupas usadas por mulheres nesses períodos e pede que lhe contem suas histórias. Assim formam-se três esculturas: “gravidez”, “pós parto” e “amamentação”. A instalação busca tornar visíveis sensações vividas silenciosamente em clausura doméstica, quando uma grande parte da identidade dessas mulheres é suspensa. O trabalho da artista foi coletar, fotografar e costurar esses itens de vestuário. A pergunta “como você sentia o seu corpo nesses períodos?” foi respondida por várias mulheres e transformada em um único áudio, gravado com a voz da artista, que também se fotografou usando cada item doado: “Eu queria sentir no meu corpo como elas se sentiam com aquelas roupas, queria sentir minha garganta ser atravessada pelas suas memórias. Essas mulheres são as verdadeiras imagens que dão contorno a esses corpos estranhos à nós mesmas. Esse é o tecido que constitui a obra, o fio condutor que alinhava todos os corpos em um”. Pra saber mais detalhes sobre a construção desse trabalho, clique aqui.

Nicole Lima é formada em Arquitetura e Urbanismo, Doutoranda e Mestre em Artes Visuais. Atua como Artista Visual, professora, curadora e pesquisadora em Linguagens Visuais. Em 2016 e 2017 coordenou o grupo de pesquisa Memórias Inventadas, que investigava o uso de dados autobiográficos na Arte, cujo resultado está aqui apresentado e integrará sua tese, intitulada “O Corpo da Imagem”, com defesa prevista para Junho de 2019. 

Email: ocorpodaimagem@gmail.com 

Instagram: @ocorpodaimagem

Karla Keiko

Meu Corpo Estranho

MEU CORPO ESTRANHO é a não romantização do ideal de beleza a todo custo: emocional, físico, financeiro. O trabalho narra o percurso de K.Keiko, mulher, 30 anos, 3 cirurgias plásticas entre a colocação, troca e retirada de próteses de silicone e a continuidade da (des)construção deste corpo durante gravidez, parto, amamentação e puerpério. Além das percepções da artista com relação aos momentos chave que impulsionam sua trajetória, existe a busca por informação pertinente ao tema, a coleta de depoimentos e de próteses, provenientes de outras mulheres que passaram pelo implante/explante. A obra é construída através de co-criações com outros artistas e personagens em suas expressões em relação a este tópico, tão delicado, pertinente e proibido.

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Adeus e permanência.

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Karla Keiko, 30 anos, mãe, artista. Usa seu corpo e suas cicatrizes como eixo para narrar percursos, naturais ou forjados. Desenvolve há 10 anos um trabalho de campo que envolve próteses de silicone e a jornada de implante e explante, com foco na abertura da discussão acerca de legislação ligada a causa e ao respeito para com estas mulheres. Se dedica também à Economia Criativa, Solidária e etc.

E-mail: findkarlakeiko@gmail.com

Instagram: @meucorpoestranho e @k.keiko.m

Performance de Aline Maciel:  “Verso do Ventre: histórias de mulheres mães” 

“Verso do Ventre: histórias de mulheres mães” apresenta a mulher que se redescobre, que não se conjuga mais no singular. A mulher que quer colo, que acolhe, sofre e sonha, que expande em si e fora de si. Com textos baseados em poemas, canções e relatos, mostra uma trajetória da gestação, parto, amamentação e puerpério. Nesse confuso viver. Nesse difuso sentir. Cavar, brotar, parir e resistir.

Aline Maciel é contadora de histórias, atriz e mãe. Bacharel e Mestre em Letras Inglês e Literatura. Desde 2004 atua nas áreas do teatro, música e performance. Desde 2012, desenvolve seu trabalho na Cia Mafagafos, uma companhia de criação e pesquisa com foco na cultura da infância onde desenvolve atividades de contação de histórias, música, e literatura, apresentando espetáculos em diversas cidades do país.

Email: aline.abracadabra@gmail.com 

Instagram: @alinemacielando

Performance de Alessandra Lange: “Mãe – um ensaio sobre ela”

Mãe – um ensaio sobre ela: Ruído rumor contínuo prolongado, tumulto e desordem ausência de silêncio o silêncio de ser só mulher e criança nesse corpo imenso de mãe fazem eco na ruína solitária de órgãos soltos nesse processo de criação que dura uma vida toda vou resgatando fragmentos de mim construindo um novo lugar uma extensão de contornos ainda não definidos.

Alessandra Lange: Mulher/mãe do Joaquim. É artista da dança e fisioterapeuta atuante na preparação corporal de bailarinos e musicistas. É cofundadora do Coletivo Nós em Traço que propõe um trabalho de criação em arte com crianças.

Email: alelange@yahoo.com 

Instagram: @alessandralange

Textos das palestras:

Claudia Serathiuk 

Mulheres Inventadas: abertura

De um projeto que nasceu apropriadamente como “Memórias Inventadas” surgiu este trabalho chamado “Mulheres Inventadas”. Apropriadamente inventadas porque pode-se pensar a memória como construção ficcional, como a construção do sonho: como dizia Freud, formado por restos diurnos, de fatos, impressões, sons, odores, palavras, imagens, falhas. Neste sentido, toda memória é inventada. E isso não quer dizer aleatória. Elas seguem um fio condutor, na cadeia de significantes do sujeito. Trata-se da reconstrução de um novo traço de história. O processo de criação através da rememoração.

A rememoração não é feita somente de fatos, mas vem carregada de afetos, de faltas, de buracos. Passa-se do campo da informação, que é um conhecimento, um saber desimplicado, para o campo do saber, da experiência. Não é simplesmente lembrar, nem informar, trata-se da construção a partir de um vivido. A memória também fala do retorno contínuo da falta fundamental do humano. O que pode ser construído em torno disso?

A memória fala do testemunho de um tempo vivido e coletivamente isso toma o sentido de uma transmissão. A falta, cisão fundamental do humano da qual nos conceitualiza a psicanálise, não tem resolução. Mas ela é a desencadeadora da criação. Os brancos da memória, as lacunas, criam também uma posição no discurso do sujeito, leva à construção de uma narrativa. Metáforas e metonímias que recolocam a relação do acontecido na rede de representações do sujeito.

Na arte, assim como no inconsciente, não há reconstituição da cena original. Os próprios processos psíquicos viram objeto artístico. E, se o inconsciente se situa aquém das significações, é nesse exato lugar que os artistas nos convocam. Para aquém das significações. A função que Lacan destina à arte “é isso a que o artista nos dá acesso, é o lugar do que não poderia ser visto”.

Ao recontar suas histórias, retomá-las, reconstruí-las, as artistas nos convocam para essa escuta inconsciente, para aquém das significações. Que serão únicas, singulares para cada expectador, a posteriori.

Enquanto se pensam nas questões identitárias a partir de um campo político, pensou-se aqui, e não expressamente, a questão da mulher do campo íntimo para o político. Não se pretende um trabalho representativo de todas as questões do feminino na sociedade, mas sim partir das memórias da construção desse feminino.

E, se é tentador psicanalisar o trabalho, fica uma advertência: este engodo deve ser evitado. Não se trata de psicanálise aplicada, mas sim de reconhecer em que cada artista resolve e constrói a seu modo um problema humano, e universalizável. O resultado, a significação, vem num só-depois, para cada um. O que nos interessa aqui é justamente o que não pode ser visto, o processo de ressignificação de restos para sempre perdidos e que sobraram como marcas, como palavras, significantes que se corporificam. Não é a psicanálise que interpreta a arte, mas o contrário: “o artista sempre precede o psicanalista”, disse Lacan. E não foi lá neste material que Freud foi buscar o inconsciente? Nos sonhos, na literatura, em obras de artistas que testemunhavam seu tempo.

Trata-se do campo do irrepresentável na representação, do impensável no pensamento, da ausência na presença. Trata-se aqui, nas “Mulheres Inventadas”, não da arte que choca ou que traz linguagens inovadoras, mas que é testemunha de um tempo, com sua sensibilidade, suas angústias, seus anseios. A narrativa ficcional através da arte constitui pontes que permitem a transmissão de uma memória. E este trabalho coletivo fala de “l’air de notre temps”. A narrativa ficcional reflete na criação não só dos trabalhos aqui expostos, mas de um projeto que envolveu muitas mulheres, suas vidas, histórias, separações, nascimentos, transformações. Partiu-se da vivencia de cada historia pessoal para a construção de uma experiência coletiva, que produz narrativa, que se amarra para produzir cultura.

O trabalho transformou e foi transformador. As artistas aqui presentes são testemunhas de nosso tempo. Um tempo marcado pela normatização, pela medicalização, pelo esmaecimento dos limites entre interioridade e exterioridade, pelo desinvestimento e esvaziamento das trocas humanas, quando os artistas seguem absolutamente necessários. Precisos justamente para nos lembrar da causalidade psíquica, do inconsciente, do mal-estar, da angústia, do indizível, da falta de representação, do que escapa ao puro sentido.

E este trabalho especificamente foi uma produção baseada em trocas. A multiplicidade fragmentada desta exposição foi resultado não de um trabalho orgânico de criação espontânea, mas da coragem da curadora Nicole Lima de propor um projeto de criação ao mesmo tempo coletivo e individual. As memórias se transformaram em mulheres, a partir da emergência do tema ao longo do processo. Cada uma em seu tempo, cada uma com sua história, cada uma com sua construção a partir do material semelhante ao onírico e inconsciente, estruturaram o produto deste mergulho de modo pessoal e estilizado.

A imagem, através de fotografias, apareceu como material privilegiado, mas houve espaço também para escritos, cartas, objetos que emergiram da busca em torno do que é o corpo feminino, o ser mãe, o ser filha, o ser mulher. E, se a imagem aparece como resultado mais presente, a escultura é uma metáfora privilegiada da criação, é a extração de um objeto do significante. Inclusive da ausência dele.

O feminino rapidamente apareceu ao longo do projeto como material que se tornou um fio condutor de todo o trabalho. Pode-se aqui ouvir, ver e sentir o inconsciente, através da elaboração da própria experiência vivida das artistas. Aqui estão representados não os sentidos dados a posteriori, mas o processo no lugar psíquico da construção de subjetividades femininas. Diria Freud, o material do qual são feitos os sonhos.

Cláudia Serathiuk é graduada em Psicologia pela UFPR. Formada em Psicanálise na França, no Espace Analythique de Paris, fez residência clínica com crianças na École Experimentale de Bonneuil. No Brasil, estudou na Associação Psicanalítica de Curitiba e fez cursos livres na USP. Atende em consultório e faz parte da Associação Psicanalítica de Curitiba, ministrando Seminários Clínicos e Introdutórios.

www.claudiaserathiuk.com.br

Email: cgserathiuk@gmail.com

Milena Costa de Souza

Uma breve reflexão sobre a arte das mulheres latino-americanas

Falar da produção visual de artistas mulheres latino-americanas esbarra, frequentemente, no acesso a arquivos e informações sobre seus trabalhos. Essa dificuldade ganha contornos complexos quando pensada em relação aos passados recentes de ditadura militar, a presença constante de governos autoritários e o cerceamento de discussões públicas sobre gênero e sexualidade. Por isso, pensar a arte de mulheres latino-americanas envolve o resgate histórico de muitas delas, bem como análises que levem em conta os contextos socioculturais em que suas produções visuais estão engendradas. Dos anos 1970 aos dias atuais, relações podem ser traçadas entre as produções de artistas de diferentes gerações que trouxeram para o debate público questões sobre seus corpos, as relações sobre o masculino e o feminino na cultura, e as possibilidades de resistir. 

As relações entre questões de gênero, sexualidade e produção artística são fundamentais para pensarmos o mundo da arte contemporânea. Nos últimos anos, a profusão de trabalhos que lidam com essas questões evidenciam a vontade e a urgência em se falar sobre aspectos até recentemente tidos como pertencentes à esfera do privado. Alguns pontos se cruzam e nos chamam a atenção: a ampliação dos movimentos feministas na contemporaneidade, um espaço de discussão mais amplo e inclusivo para esses debates no início do século XXI e, mais recentemente, a fala e a visibilidade enquanto resistência política e afirmação da existência. Nesse contexto gostaria de destacar a ação de artistas latino-americanas que, desde os anos 1970, vêm pensando seus trabalhos a partir das relações entre a luta das mulheres, o Estado e a construção da subjetividade. 

Durante os anos 1970, no auge da ditadura militar nos países latino-americanos, diversas mulheres artistas organizaram-se em coletivos que refletiam sobre corpo, gênero, sexualidade e resistência política. Além de criarem trabalhos, os grupos focaram em questões como o conceito de qualidade artística adotado por museus e galerias, o baixo número de mulheres expostas nos museus, estratégias possíveis para ocupar os espaços institucionalizados e as possibilidades de se construir espaços de produção de conhecimento em arte inclusivos e reflexivos. A época também foi marcada pelas viagens das teorias feministas. Quer dizer, as reflexões formuladas nas ruas, nos espaços acadêmicos e artísticos encontram-se e os diálogos entre mulheres em diferentes partes do mundo ganharam força. 

No México, país que foi casa de milhares de exilados políticos, Monica Mayer fundou o grupo Polvo de Gallina Negra junto com Maris Bustamante. Os trabalhos do coletivo tocavam em questões sobre maternidade, corpo, divisão do trabalho doméstico, entre outros assuntos. Na Argentina, as ações de artistas participantes da Unión Feminista Argentina (UFA) ganharam destaque tal como o trabalho de María Luisa Bemberg que dirigiu o curta El mundo de la mujer, cujas imagens foram captadas durante a exposição Femimundo, dedicada à divulgação e comercialização de produtos para serem consumidos por mulheres. O vídeo percorre o espaço da feira e a artista concentra-se em gestos e performances de corpos engajados a multiplicar as vendas. O olhar de Bemberg foca nos atos sistêmicos de modelação do corpo feminino e a construção dos gêneros.

No Brasil, as relações entre as discussões de gênero e suas articulações com as pesquisas poéticas das artistas ocorreu de forma difusa e muitas artistas, ainda que abordando aspectos relacionados a gênero, sexualidade e experiências femininas, não se reconheciam em diálogo com o feminismo. Mesmo assim, Anna Maria Maiolino, Anna Bella Geiger e Regina Vater foram algumas das artistas que insistiram em falar sobre as subjetividades das mulheres em suas obras.

Com este breve recorrido pela arte feita por mulheres na América Latina, podemos perceber que as artistas do presente podem se reconhecer em uma narrativa histórica na qual as mulheres também são protagonistas e exercem uma fala sobre si mesmas. Cabe a nós, pesquisadoras, curadoras, artistas contemporâneas e demais pessoas integrantes do circuito da arte contemporânea fomentarmos a curiosidade e as discussões que abrangem essas narrativas. Abrir arquivos e acessar memórias é uma ação de tomar conhecimento do passado, compreendermos o presente e caminharmos junto com as mulheres que abriram os caminhos para estarmos aqui hoje.

Professora colaboradora da Unespar, é graduada em Artes Visuais. Possui mestrado e doutorado em sociologia pela UFPR e especialização em História da Arte pela Unespar. Realizou residência artística na Espanha, Equador e nos Estados Unidos. Expôs seus trabalhos no Brasil e nos países mencionados. É fundadora e curadora da Galeria Ponto de Fuga, espaço dedicado à fotografia e arte contemporânea.

Site: https://ufpr.academia.edu/MilenaCostadeSouza

Email: souza.milena82@yahoo.com.br

Priscila Frehse Pereira

Nós entre mulheres, elas em mim: composição, decomposição, laços e desenlaces

O fato de um retrato da época me revelar, ao contrário, uma menina bem plantada, selvagem e suave, com olhos pensativos embaixo da franja pesada, esse retrato real não me desmente, só faz é revelar uma fantasmagórica estranha que eu não compreenderia se fosse sua mãe. Só muito depois, tendo finalmente me organizado em corpo e sentindo-me fundamentalmente mais garantida, pude me aventurar e estudar um pouco; antes porém eu não podia me arriscar a aprender, não queria me disturbar – tomava intuitivo cuidado com o que eu era, já que eu não sabia o que era, e com vaidade cultivava a integridade da ignorância. Clarice Lispector, Os desastres de Sofia. Todos os contos, p. 265.

Uma composição entre psicanálise, literatura e criação artística de mulheres contemporâneas. O passeio pela exposição Mulheres Inventadas, especialmente “Ela em mim”, mobilizou, em mim, o desejo de compor uma escrita sobre a relação entre mulheres que, para além dos clichês sobre inveja e rivalidade femininas, contemplasse a potência criativa, transformadora, constitutiva e singularizante das composições, decomposições, laços e desenlaces entre mulheres e seus desdobramentos na criação artística.

A ideia era seguir as obras da exposição em associação livre, uma abertura para o encontro entre o esperado e o inesperado. Ou, meu gesto singular, algo entre a poesia e a rebeldia – inspirada em Magda Portal: deixar algo, entre palavras como punhos, en mitin de protesta, e o intransferível desejo da entrega. Dance first, think later, de Beckett – gentilmente lembrado por Ana Galetti, em seu texto que diz que Paula é Paula e ela é ela (ainda bem!) – esse é o método. Algo entre dançar, brincar, sonhar, repetir e elaborar, para parafrasear e subverter o velho, bom e antiquado Freud.

O inesperado foi o encontro com um caleidoscópio de mulheres, que evocou um sonho antigo de análise. O passeio pela exposição, que começa por um corpo estranho e familiar – que me traz o Unheimlich, de Freud –, me leva a fotografias, esculturas e à ideia de vínculo fraterno, a possibilidade de vínculos horizontais entre mulheres. 

O encontro com um caleidoscópio entre mãe e filha multiplica as direções. Linhas horizontais, verticais, diagonais – em composições e decomposições que levam em conta as bordas e os limites de mulheres em movimento. Nenhuma está completa.

Essa incompletude é um saber singular. Saber não-todo, dos felizes clichês lacanianos. Durante muito tempo achei que havia uma mulher que sabia tudo. Quanta dor, atrapalho e sofrimento! Botei várias nesse lugar e o resultado foi desastroso. Como os desastres de Sofia, da Clarice.

Foi isso que desencontrei em Mulheres Inventadas, e com uma porção de outras mulheres mais: elas em mim, e a aposta na possibilidade de uma composição singular entre mulheres com a delicadeza e a força de quem não está a disputar fronteiras. Um saber entre duas, entre outras, que gera a autoria de uma, ou de várias. Nessa polifonia de nós, laços e desenlaces, algo desenrolou.

Finalizo o passeio pela exposição no encontro com um espelho partido e mulheres que se narram ao despertar diante de sua imagem. A alegria de encontrar outras mulheres partidas. Que os caleidoscópios podem ter mesmo imagens trincadas. E tudo bem.

Priscila Frehse. Psicanalista, Doutora em Psicologia Clínica pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IP-USP).

Site: www.priscilafrehse.com.br

Email: priscilafrehse@gmail.com

Camila Zoschke Freire 

O que faz uma mãe? Pequeno ensaio sobre a construção de corpos.

Este ensaio pretende lançar a seguinte questão: afinal, o que faz uma mãe? O que concerne à especificidade desta função? Quando alguém se torna mãe? Penso que a função materna é tanto uma operação quanto uma construção, algo que pode se dar ou não e que acontece com o protagonismo do corpo, de corpos que são reconstruídos, ressignificados. O corpo a que me refiro aqui é o pulsional, aquele do qual a psicanálise se ocupa, atravessado pela linguagem, erotizado pela palavra, um corpo que se constrói na fronteira entre o psíquico e o somático, segundo Freud. Por esta característica perde o que há de natural, do gozo do ser e, através da implicação de um Outro encarnado, é construído em sua humanidade. Isso não se dá de modo instintivo mas sim de modo transitivo, numa transmissão de marcas de satisfação costuradas pelo campo significante.

Desde a descoberta de uma gestação o corpo passa a exigir uma ressignificação. Ou melhor, os corpos, da mulher e do futuro bebê. Um enjôo, um ciclo menstrual em atraso, uma sonolência exagerada sinalizam que algo está se modificando. O exame positivo para uma gravidez, desejada ou não, implica a imaginarização de um outro: será menino ou menina? Com quem irá se parecer? Convoca ainda uma antecipação simbólica, um falar sobre este que virá, escolher um nome. Todas estas ideias podem estar já marcadas no psiquismo daquela mulher desde menina ao segurar sua boneca no colo, mesmo que não o saiba.

Esta antecipação pode não ocorrer durante a gestação e isso não é definitivo. Em boa parte dos casos, há uma mescla desordenada de impressões e sensações. Fato é que dificilmente se passa por isso sem ser afetada. 

O dia do nascimento é outro evento cheio de mistérios e imprevistos. O encontro com o bebê que chega põe fim àquele imaginado durante todo um tempo. E se o bebê não for parecido comigo, segundo desejei? E se vier com alguma síndrome? Como deixar ir um corpo para receber este que agora se apresenta?

Mais uma vez a mulher precisa desconstruir o corpo que construiu imaginariamente para acolher o do seu bebê. Para além do desencontro, este recebe alguns adornos: um lacinho nas meninas, um leão forte e vigoroso no casaco do menino. Este corpo, tomado em sua naturalidade, pode não ser tão especial. Há algo de insuportável nesse encontro com o corpo do bebê e que convoca este adorno. É importante que este seja o mais lindo do mundo para a sua mãe. Nem sempre isso acontece num primeiro momento.

É necessário contemplar ainda o que a mulher fará com o seu corpo no puerpério. Ela precisou se construir enquanto gestante, tomar como erógeno um corpo novo, cheio de curvas até então desconhecidas, uma casa temporária para o seu filho. Mesmo quando ocorre um trabalho de parto onde o tempo, com um crescente de intensidades se faz presente ou quando a mulher pôde elaborar algo desta separação durante a gestação, ainda assim o dar à luz caracteriza um processo traumático. Aqui considero o trauma em seu caráter de excesso, de experiência excessiva em sua intensidade, impossível de subjetivação imediata. O parto põe em cena duas questões irrepresentáveis, sem registro inconsciente, como diz Freud: o sexo e a morte. Há de se considerar os famosos baby blues, as suaves depressões do puerpério como tentativas de elaborar algo dessa experiência traumática. Um tempo de dois corpos é inaugurado. Reitero que esta experiência pode caracterizar alívio, angústia ou ainda outra coisa mas não tem como prescindir da intensidade e do encontro com questões que nem mesmo o inconsciente comporta, além de outras tantas recalcadas que sinalizam algo da vivência edípica daquela mulher. 

Para criar um humano – a função materna contém um tanto de criação, de invenção – a mulher fará do seu corpo um palco para interpretar as necessidades do bebê, que lhe chegam como uma demanda. Afinal, o que o bebê quer quando chora? Freud dirá que no início da estruturação do aparelho psíquico o que ocorre essencialmente é aumento e diminuição da tensão. Se o bebê sente fome ou algum outro desconforto há aumento de tensão no interior do aparelho. Esse desprazer é manifestado pelo choro que a mãe interpreta como um apelo. Ela oferece então seu peito, por exemplo. Mas o que de fato irá satisfazê-lo? Se foi o leite, o calor do corpo materno, seu cheiro, sua voz, o toque da mãe o que satisfez o bebê é algo de inalcançável. A pulsão concerne a este campo de um a mais, além da necessidade.

Quando a mãe acolhe o bebê que chora, ela o faz também com palavras, modulando sua voz. Ela o contorna com seus significantes, atribui sentidos onde ainda não há e assim vai operando uma borda, bordando o corpo do bebê, estabelecendo delineamentos: fura com a palavra ao mesmo tempo que a enlaça no corpo.  

O bebê precisa neste tempo, para humanizar-se, de um corpo vivo, algum que ressoe o que é próprio da vida. É este o som que pode acalmá-lo através de uma voz cantante, um embalar particular. É justamente uma certa inconstância que vai imprimir no bebê os ritmos do mundo. Para cada bebê, uma mãe com ritmos particulares, mesmo quando esta mulher tem outros filhos.  

Descrevi até aqui alguns momentos de construção de corpos. Agora se faz necessário perguntar: o que torna possível, para uma mulher, realizar esta função?

Didier-Weill assinala que um dos primeiros jogos das meninas é saltar no ar, pular corda. Ela se lança com seu corpo apostando que o chão estará lá em seu retorno porém sem esta garantia. E ela o faz com prazer. Lançar-se no ar com o próprio corpo e retirar satisfação disto não é qualquer coisa. 

A imagem desta brincadeira veicula uma articulação possível entre a feminilidade e a maternidade. Quando a mulher pode vivenciar esta experiência de lançar-se com seu corpo na maternidade, não como sua única saída ou como a ideal, mas por desejo, ela se permite ser afetada pelo bebê e afetá-lo: ao identificar-se com aquele corpinho e supor um sujeito por vir, promove as interpretações que pouco a pouco o localizarão no campo do humano. Há uma língua entre ambos, muito particular porque se trata de palavras investidas de desejo. É a própria satisfação da mãe que inaugura o campo erógeno para o bebê. 

Vivemos um tempo em que o saber científico/tecnológico pretende atravessar o campo da construção da subjetividade. Sendo assim, me senti convocada a evidenciar o lugar do corpo. Este saber do corpo que não é instintivo e tampouco pode ser dominado por ensinamentos pedagógicos ou técnicos mas que pode carecer de uma afirmação e de um reconhecimento de alguns outros para poder dar conta do campo da maternidade. Uma mãe não precisa padecer no paraíso, ela irá vacilar. Mas também recolherá um prazer quando, ainda que exausta, puder se permitir o deleite de olhar seu bebê dormir. O que é particular do campo do gozo, diz Lacan, é que ele não serve pra nada. Não abarca o campo da utilidade. É preciso que seja dado a mãe o reconhecimento de que, quando há um desejo dirigido àquele bebê, quando a linguagem está encarnada, lhe será possível atendê-lo, construir um corpo com este saber que lhe afeta e ressoa em sua própria carne. 

Camila Zoschke Freire é psicanalista, especialista em Psicologia Clínica: Abordagem Psicanalítica. Membro Praticante da Associação Psicanalítica de Curitiba e responsável pela revista anual desta instituição. 

Email: camilazoschke@yahoo.com.br 

Instagram: @camilazfreire

Rosângela Diniz Chubak

Helena Wong: mulher-artista

Helena Wong foi uma pintora, desenhista e gravadora paranaense, nascida em Pequim/China a 3 de agosto de 1938 e radicada em Curitiba desde a década de 50. 

Ainda na infância contraiu grave doença, artrite reumatoide, que a impossibilitou desde cedo de levar uma vida normal e obrigou-a a longos períodos em repouso e a enfrentar uma série de limitações físicas. Por essa razão, logo é incentivada pelos pais a iniciar seus estudos de desenho e pintura, ainda em Xangai/China. 

Mais tarde, por causa da Revolução Comunista, ela juntamente com sua família foge para Hong Kong, aonde terá seus primeiros contatos com o mundo e a arte ocidental.

Chegam ao Brasil somente em 1951, quando desembarcam no Rio de Janeiro e a jovem Mie Yuan, é rebatizada com o nome de Helena. Neste mesmo ano, após breve período de pesquisa sobre qual região e cidade seriam mais auspiciosas para a família, decidem fixar residência em Curitiba.

Para o aprendizado da língua, por causa da doença que lhe limitava os movimentos e para se adaptar a nova realidade, passa a receber educação formal com professores particulares. Este isolamento inicial, também a faz intensificar seus estudos artísticos, voltando a frequentar um atelier, já em 1953. E isso foi somente o início de uma brilhante carreira.

Após anos de dedicação e persistência, fizeram com que ela pudesse alcançar grande notoriedade, recebendo inclusive título de cidadão-honorário da cidade de Curitiba, em 1982. 

Apesar de tantas conquistas e contextualizando a condição da mulher à época que Helena Wong viveu e criou as suas obras, a tão propagada igualdade entre os sexos ainda estava (ou será que ainda está?) longe de ser uma realidade. 

A questão feminina perpassa toda sua obra, verdadeira pioneira na área de artes, que sempre se negou a assumir o estereótipo imposto a todas, de mulher prendada e que se ocupa de atividades manuais, distorção, ainda presente nos dias atuais, de se tratar a arte desenvolvida pelas mulheres como sendo uma arte menor. 

Até então, ainda, as mulheres em sua maioria, eram tratadas apenas como “objetos de arte”, “musas inspiradoras”, jamais como sujeito criador, capaz de dar vida e expressão às suas ideias e sentimentos através de suas próprias obras de arte.

Durante muito tempo a história foi a história dos homens, a ponto dos homens enquanto gênero, serem confundidos e tratados como sinônimo da própria humanidade.

Helena Wong rejeita essa identificação e cria um novo espaço para si e para as que virão. 

Para refletir sobre esse tema, a arte produzida por mulheres, procurei referenciar essa análise à luz do trabalho literário de outra mulher, a escritora americana Clarissa Pinkola Estés em seu livro “Mulheres que Correm com os Lobos – mitos e histórias do arquétipo da mulher selvagem” e a discussão que suscita sobre as representações do feminino. Este trabalho além de trazer à luz de uma reflexão diferenciada, também foi utilizado para compartilhar com as pessoas o poder e a força dos mitos, dos rituais e da arte para a vida de todos.

Assim, o conceito utilizado por Estés, advindo da psicologia arquetípica, o arquétipo da Mulher Selvagem, foi aqui utilizado para falar sobre a mulher e a arte: 

“(…) Creio que todos os homens e mulheres nascem com talentos. No entanto, a verdade é que houve pouca descrição dos hábitos e das vidas psicológicas de mulheres talentosas, criativas, brilhantes. (…) Em geral, quando compreendemos a natureza selvagem como um ser autônomo, que anima e dá vida à forma mais profunda de uma mulher, podemos começar a nos desenvolver de um modo jamais considerado possível. (…) Não é por acaso que as regiões agrestes e ainda intocadas do nosso planeta desaparecem à medida que fenece a compreensão da nossa própria natureza selvagem mais íntima. (…) Não é coincidência que os lobos e os coiotes, os ursos e as mulheres tenham reputações semelhantes. (…) Têm experiência a se adaptar a circunstâncias em constante mutação. Têm uma determinação feroz e extrema coragem. Pois foi aí que o conceito do arquétipo da mulher selvagem primeiro se concretizou para mim: no estudo dos lobos. A Mulher Selvagem é a saúde de todas as mulheres. Sem ela a psicologia não faz sentido. (…) não importa a cultura, a época, a política, ela é sempre a mesma. Seus ciclos mudam, mas na sua essência ela não muda. Ela é o que é; é um ser inteiro.” (ESTÉS, 1992, p.15-24)1

Helena Wong dedicou sua vida à sua arte, uma confundindo-se com a outra. Através da sua arte pode encontrar a liberdade face às suas limitações físicas e à sua condição de mulher. Mesmo com tantas adversidades, enfrentadas pela mulher-artista Helena Wong conseguiu superá-las. Sua trajetória assim revela.

Da mesma forma que Helena Wong, as mulheres-artistas da presente exposição Mulheres Inventadas, cada uma com sua especificidade e diferentes caminhos, vivendo num tempo de tanto ódio e discriminação, de um crescente e assustador feminicídio e múltiplas violências (muitas simbólicas) se constroem e se inventam, buscando um espaço possível para, não apenas sobreviver, mas também para existir e resistir.

1   ESTÉS, C.P. Mulheres que Correm com os Lobos – mitos e histórias do arquétipo da mulher selvagem. Rio de Janeiro: Rocco, 1992.

Rosângela Diniz Chubak é socióloga e pesquisadora, atuou em arte-educação no MAC/PR e na Casa Andrade Muricy e à frente do projeto cinematográfico Sessão Sabedoria no MIS/PR

Email: rdchubak@gmail.com 

Instagram: @rochubak

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